“As recentes alterações ao
RJET não permitem empreendimentos sem classificação ou categorias residuais. A
preocupação do SET sobre os entraves a empreendimentos inovadores foi
adequadamente resolvida através do mecanismo da dispensa de requisitos.”
1) A possibilidade originária ou superveniente de hotéis sem classificação
A par da eliminação das taxas pelas vistorias de
classificação quando realizadas pelo Turismo de Portugal, I.P., uma das propostas mais emblemáticas do Secretário
de Estado do Turismo para integrar as futuras alterações legislativas ao RJET consistia
na introdução da possibilidade de os estabelecimentos hoteleiros não terem
classificação. Ao lado de hotéis com a classificação de uma a cinco estrelas,
introduzia-se a possibilidade de o empreendedor explorar hotéis sem tal menção
se assim o desejasse. Facultava-se ao empreendedor poder prescindir – não apenas na fase de instalação do empreendimento turístico mas também quando este já se
encontrasse em funcionamento com
determinada classificação - da atribuição da categoria.
De harmonia com essa opção do empreendedor o
empreendimento turístico ficaria isento de categoria na tipologia (estabelecimento hoteleiro) e grupo (hotéis, aparthotéis e pousadas), devendo, no entanto,
observar os requisitos gerais de instalação e condições de acessibilidade
previstos no RJET e em sede regulamentar na Portaria nº 327/2008, de 28 de
Abril (estabelece os requisitos de classificação dos estabelecimentos
hoteleiros, aldeamentos e apartamentos turísticos).
Em Outubro de 2013, esta proposta estava cristalizada no
art.º 34º do RJET do anteprojecto. Mantendo-se o conteúdo originário no nº 1, aditava-se
um nº 2: “O interessado pode prescindir, na fase de instalação ou a todo o tempo, da
atribuição da categoria, ficando, nesse caso, o empreendimento turístico isento
de categoria na tipologia [estabelecimento hoteleiro] e grupo [hotel] respetivos,
sem prejuízo da observância dos requisitos gerais de instalação e condições de
acessibilidade previstos no presente diploma e dos requisitos referidos no nº 4 do artigo seguinte.”. Neste
último caso, os empreendimentos turísticos podiam retirar da respectiva classificação a referência
à categoria, através de mera declaração à autoridade turística nacional,
operando-se, gratuitamente, a actualização do Registo Nacional dos
Empreendimentos Turísticos (art.º 38º/9), devendo proceder à substituição da
placa identificativa da classificação nos trinta dias subsequentes.
Tratando-se de uma das medidas mais importantes da
projectada reforma legislativa, dela se dava nota, compreensivelmente, no preâmbulo
do anteprojecto legislativo: “No processo
de classificação, adopta-se um sistema facultativo no que à sua implementação
diz respeito, cabendo aos promotores a decisão de sujeitar, ou não, o seu
empreendimento turístico a determinada tipologia.”.
2) A proposta da criação de uma categoria residual como válvula de escape para situações inovadoras
As crescentes e adversas reacções associativas
levam a uma alteração da proposta do SET. Em Novembro de 2013, o governante
explica na pág. 36 do Publituris nº 1254 que “no caso da portaria de
classificação, passará a haver uma categoria
residual. Para o SET, trata-se de “uma espécie de válvula de escape, que
permita o licenciamento de empreendimentos turísticos que, em virtude da sua
inovação, segmentação, tematização ou requalificação, não encontrem acolhimento
na actual portaria de classificação por estrelas”. A categoria, ainda sem nome
definido, vai permitir ao hoteleiro “satisfazer as necessidades dos turistas
que quer captar, e que nem sempre estão enquadradas no sistema de classificação
que tem de respeitar”. O responsável sublinha que a introdução desta categoria
vai permitir “que os empreendimentos possam, com qualidade, responder às novas
tendências da procura, evitando que as actuais regras impeçam o surgimento da
inovação e perturbem a competitividade”. Adolfo Mesquita Nunes afirma que não
se trata de um sistema de classificação voluntária, em que um hoteleiro faz o
hotel que quer, sem classificação. “O sistema de classificação manter-se-á e
ninguém é obrigado a sair deste sistema”.
Este sistema é, numa forma coloquial, explicado
pelo SET num documento dirigido às associações empresariais em 5 de Novembro de
2013: “
Será ainda criada uma nova
categoria, residual, que se apresenta como uma alternativa ao sistema de
classificação de 1 a 5 estrelas.
O
nome desta categoria pode ser " S" ou " SD" ou qualquer
outra letra ou conjunto de letras, ou outro elemento, sem significado especial,
apenas como menção distintiva relativamente à da classificação por estrelas.
Esta nova categoria constituirá uma válvula de escape
para os promotores que, cumprindo as condições identificadas de seguida,
entendam que a classificação de 1 a 5 estrelas, dados os requisitos exigidos,
não seja uma mais-valia para o seu projecto ou obrigue a investimentos
desnecessários face ao objectivo de satisfação dos turistas ou, ainda,
impeça/dificulte/onere a requalificação necessária para a sua viabilidade.
Um promotor poderá requerer ao Turismo de Portugal que
lhe seja atribuída esta nova categoria desde que observadas 2 condições: i. Sejam cumpridos os requisitos obrigatórios exigidos a
todos os empreendimentos turísticos; ii. Cumpra com uma percentagem não inferior a um
terço dos requisitos definidos (ou da pontuação que lhes estiver atribuída)
numa lista criada para esta categoria independentemente
do cumprimento de
todos os outros requisitos opcionais.”
3) A inesperada solução da dispensa de requisitos
Muito se especulou sobre as motivações do SET para
uma iniciativa tão controvertida. Uma delas respeitava à pressão de um segmento
da hotelaria com duas ou três estrelas mas com uma marca internacional forte
que teria por essa razão vantagem em afastar o sistema de classificação
obrigatório entre uma e cinco estrelas. Evidenciavam a marca e podiam a partir
das alterações legislativas ocultar a classificação.
Acredito, no entanto,
que a motivação política do SET esteja nos alegados entraves que o
sistema coloca à “inovação, segmentação, tematização ou requalificação” pelo
que a solução da dispensa de requisitos constante do nº 7 do art.º 39º do RJET
constitui a resposta legislativa mais adequada às preocupações do governante.
Admitindo que existam esses casos empreendimentos
inovadores que não se concretizam mercê do actual quadro regulamentar é pela
via da dispensa de requisitos que se podem ultrapassar os obstáculos quando tal
se mostrar apropriado, evitando cair no casuísmo ou no favorecimento. Um passo
importante na preparação das alterações
à Portaria nº 327/2008, de 28 de Abril, é a inventariação de situações de
inovação que nos últimos anos tenham esbarrado na regulamentação existente e a
prognose de outras que possam vir a ocorrer. Feito esse trabalho de
inventariação, ponderar os requisitos que podem ser dispensados para a obtenção
de uma determinada classificação.
Naturalmente que estamos sempre perante
classificações com carácter obrigatório entre 1 e 5 estrelas, pois as
alterações ao RJET constantes do Decreto-Lei nº 15/2014, de 23 Janeiro, não
permitem nem na letra nem no espírito empreendimentos sem classificação ou categorias residuais ombreando com empreendimentos classificados
entre uma e cinco estrelas. Pressinto,
no entanto, que se trata de um trabalho difícil que vai absorver muitas
energias e suscitar críticas.
A nova solução encontra-se, como não poderia deixar
de ser, reflectida no preâmbulo: “No processo de
classificação, consagra-se a possibilidade de os requisitos para a categoria
serem dispensados não apenas por apreciação da entidade administrativa, mas
também verificados determinados critérios a concretizar em portaria.”.
Carlos Torres, Publituris
nº 1262, de 7 de Março de 2014, pág. 6